Arquivo do mês: setembro 2009

Um poema às quartas

yeats

The sorrow of love

The quarrel of the sparrows in the eaves,
The full round moon and the star-laden sky,
And the loud song of the ever-singing leaves,
Had hid away earth’s old and weary cry .

And then you came with those red mournful lips,
And with you came the whole of the world’s tears,
And all the trouble of her labouring ships,
And all the trouble of her myriad years.

And now the sparrows warring in the eaves,
The curd-pale moon, the white stars in the sky,
And the loud chaunting of the unquiet leaves,
Are shaken with earth’s old and weary cry.

As penas do amor

Sobre os telhados a algazarra dos pardais,
Redonda e cheia a lua – e céu de mil estrelas,
E as folhas sempre a murmurar seus recitais,
Haviam esquecido o mundo e suas mazelas.

Então chegaram teus soturnos lábios rosas,
E junto a eles todas lágrimas da terra,
E o drama dos navios em águas tempestuosas
E o drama dos milhares de anos que ela encerra.

E agora, no telhado a guerra dos pardais,
A lua pálida, e no céu brancas estrelas,
De inquietas folhas, cantilenas sempre iguais,
Estão tremendo – sob o mundo e suas mazelas.

(Tradução de André C S Masini)

Uma verdade universalmente conhecida

Jane Austen é ao mesmo tempo uma queridinha literária e uma injustiçada. É uma campeã de audiência, tendo praticamente todos os seus livros já transformados em filmes, minisséries da BBC, séries de TV e tudo o mais do subproduto da indústria cultural. E uma injustiçada porque muita gente, inclusive para a famosíssima (ainda mais agora em época de “Crepúsculo“) e respeitável Emily Brontë, consideram a inglesa apenas uma escritora de comedinhas românticas. E também para os estudantes de inglês no curso de letras da USP, para quem os livros dela são um horroroso fardo a ser carregado por um semestre no curso de Leituras do Cânone.

jane-austen

Grande injustiça. Alguns críticos defendem que os romances da autora deve ser lidos alegoricamente, como uma representação da união entre burguesia e aristocracia na Inglaterra do século XVIII que interrompeu o ciclo revolucionário e impediu o acesso do proletariado à nova ordem politico-econômica que se desenhou a partir daquele período. Sob esse ponto de vista seus romances passam a ser interessantíssimos. Mas não apenas por isso.

“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa.”

É assim que inicia a obra (pelo menos na literal tradução da Lúcia Cardoso), um dos inícios de romance mais inesquecíveis. Não chega aos pés do início de Ana Karenina de Tolstoi – “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira” – ou mesmo de Metamorfose de Kafka – “Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado, viu que se transformara, em sua cama, numa espécie monstruosa de inseto.” –  mas mereceria ao menos estar na seleção de melhores inícios do blog Todoprosa.

jane A tradução de Paulo Mendes Campos é mais literária e menos literal que a da Lúcia Cardoso e inicia assim: Um homem solteiro, possuidor de razoável fortuna, deve estar à procura de esposa. Uma solução quase boa, porque ignora a chave da frase. Uma verdade universalmente conhecida. “It is a truth universally acknowledged, that a single man in possession of a good fortune must be in want of a wife”.

A frase é o máximo. O máximo do racionalismo antropocentrista burguês da idade moderna! Hoje em dia quem poderia falar em “verdades universalmente conhecidas” sem parecer anacrônico, ridículo ou então fundamentalista religioso? Ou então, quem pode dizer “penso, logo existo” como dissera Descartes e ignorar todo o conhecimento de psicanálise trazido por Freud ou Jung, o conhecimento de consciência de classe de Marx, a “vontade de poder” de Nietszche? Hoje não dá. Mas na época dava. Foi o suprassumo da arrogância burguesa, do projeto burguês.

Mas não é apenas por isso que Orgulho e Preconceito é delicioso. Primeiramente porque a afirmação que abre o volume, feita pela sra.Bennett é implacavelmente desconstruída pela própria, numa saborosa ironia que dura o livro todo. E, a propósito, o romance é engraçadíssimo. Me peguei rindo sozinho em sala de espera, à noite na cama enquanto minha esposa não entendia nada. Realmente, Jane Austen está muito, muito distante de ser uma precursora das horrendas comedinhas românticas que salvam a conta bancára das Meg Ryans da vida.

Não assisti o filme. Assisti “Razão e Sensibilidade“, que não reproduz um décimo do mordente irônico da autora e por esse tipo de adaptação facilmente se conclui. Jane Austen continua sendo uma injustiçada.

Seu primeiro baile

“Her first ball” é um conto escrito pela neozelandesa Katherine Mansfield, importante escritora do início do século XX e influência de Virginia Woolf e do modernismo inglês. katherine_mansfield-788298

HER FIRST BALL

EXACTLY when the ball began Leila would have found it hard to say. Perhaps her first real partner was the cab. It did not matter that she shared the cab with the Sheridan girls and their brother. She sat back in her own little corner of it, and the bolster on which her hand rested felt like the sleeve of an unknown young man’s dress suit; and away they bowled, past waltzing lamp-posts and houses and fences and trees.

“Have you really never been to a ball before, Leila? But, my child, how too weird–” cried the Sheridan girls.

“Our nearest neighbour was fifteen miles,” said Leila softly, gently opening and shutting her fan.

Oh dear, how hard it was to be indifferent like the others! She tried not to smile too much; she tried not to care. But every single thing was so new and exciting . . . Meg’s tuberoses, Jose’s long loop of amber, Laura’s little dark head, pushing above her white fur like a flower through snow. She would remember for ever. It even gave her a pang to see her cousin Laurie throw away the wisps of tissue paper he pulled from the fastenings of his new gloves. She would like to have kept those wisps as a keepsake, as a remembrance. Laurie leaned forward and put his hand on Laura’s knee. (continua aqui)

Uma das disciplinas que tive neste ano na faculdade de letras foi “Prática de Tradução”, onde como trabalho final tivemos de traduzir o conto da Mansfield, em grupo (????). Traduções em grupo são sempre problemáticas. Uma das formas preferidas das pessoas fazerem isso é picotar o texto em várias partes, cada um traduz sua parte e depois costuram de volta o Frankenstein. Horrível. Nosso grupo, formado por gente batuta (claro), decidiu pelo caminho mais longo. Cada um de nós fez sua própria tradução, levantou os problemas e dificuldades e por fim, cotejamos todas as traduções para formarmos uma única versão. Tivemos de escolher um texto-base e depois começamos a examinar o conto linha a linha, escolhendo as melhores construções sintáticas, o vocabulário mais adequado para o gênero, para a época, para os personagens, enfim. Discussões? Algumas. Difícil? Certamente. Mas foi muito interessante e até divertido.

O Seu Primeiro Baile

Exatamente quando o baile começava Leila teria achado difícil dizer. Talvez o seu primeiro parceiro de verdade fosse o automóvel. Não importava que ela o dividisse com as Sheridans e seu irmão. Sentou-se atrás no seu próprio cantinho, e o descanso almofadado sobre o qual a sua mão repousava dava-lhe a sensação da manga do paletó de um jovem desconhecido; e ambos giravam, valsando ao longo de postes de iluminação e casas e cercas e árvores.

— Você realmente nunca esteve num baile antes, Leila? Mas, menina, isso é muito estranho ? — estrilavam as Sheridans.

— O nosso vizinho mais perto ficava a 15 milhas — disse Leila suavemente, abrindo e fechando o seu leque com delicadeza.

Ah céus, como era difícil ser indiferente como os outros! Ela tentava não sorrir demais, tentava não se importar. Mas cada detalhe era tão novo e empolgante… As angélicas de Meg, a grande presilha âmbar de Jose, a cabecinha morena de Laura, brotando da sua estola branca como uma flor através da neve. Ela se lembraria para sempre. Até teve uma pontada ao ver seu primo Laurie jogar fora os filetes de papel que ele tirava das abotoadoras das suas luvas novas. Gostaria de ter guardado aqueles filetes como lembrança, como uma recordação. Laurie inclinou-se para frente e apoiou a uma mão no joelho de Laura. (continua aqui)

O trabalho foi feito a várias mãos, entre elas a minha, as do Ed Batista, Mariana Castelli, Carol Rodolpho, Marcos Hadid, Cassio Aurélio e Eliana Machado.

Tráfico de crianças

A globalização econômica transformou definitivamente o futebol. De representante de uma cidade ou comunidade, um clube de futebol passou a ser uma empresa que briga no mercado global por mais consumidores (torcedores), num processo de internacionalização que tem nas TVs, amistosos e torneios de pré-temporada e na venda de produtos suas pontas mais visíveis.

silva_21611a

Todavia, a briga nos mercados internacionais motiva os clubes a se digladiarem não apenas por consumidores, mas por matéria-prima, os jogadores também.

E os órgãos reguladores do futebol como a FIFA e a UEFA, baseados ainda nos antigos conceitos de nacionalidade, lutam para tentar manter o futebol dentro desses mesmos conceitos antigos. Tentam fazer com que um time inglês não apenas represente o torcedor inglês (coisa que não mais acontece, como vimos aqui) mas seja representado por ingleses em suas equipes. Uma briga perdida de antemão, pois a legislação européia proíbe a discriminação de cidadãos europeus no mercado de trabalho (portanto, leis como a proposta 6 + 5 estão fadadas ao fracasso, a não ser por um acordo de cavalheiros entre os clubes – muito pouco cavalherescos, diga-se) e os clubes aprenderam rapidamente a burlar essas leis com naturalizações.

Outro aspecto que tem chamado a atenção recentemente são as transações que envolvem atletas cada vez mais jovens, tema que voltou à berlinda após a recente condenação do Chelsea em um caso de aliciamento de menor envolvendo o jovem Gael Kakuta junto ao Lens da França. Logo em seguida o Manchester United foi denunciado pela Fiorentina e pelo Le Havre, visto que a legislação da França e da Itália proíbem menores de 16 anos de assinarem contratos profissionais (o que facilita o aliciamento) e o Manchester City sofrer investigação semelhante.

federico-macheda-large1

Portanto, não foi com pouca  empolgação e, porque não dizer, espanto que a notícia de que a Premier League limitaria o número de atletas não-revelados nas categorias de base do país para a próxima edição da liga. O mecanismo é semelhante ao que a UEFA utiliza na UCL: cada time poderá inscrever apenas 25 atletas. Destes, 8 devem ser “revelados no país”, ou seja, devem ter frequentado por pelo menos três anos as categorias de base dos clubes ingleses ou galeses. A princípio a medida parecia bastante acertada, pois incentivaria os clubes a investirem em suas categorias de base ao invés de investirem no mercado de transferências e limitaria o número de atletas nos elencos. O Liverpool, por exemplo, conta com 55 atletas inscritos em sua equipe principal (sem contar a reserva e as categorias de base), sendo a maioria absoluta formada por estrangeiros.

Ótimo para o futebol do mundo inteiro, não, já que os jogadores ingleses não mais perderiam oportunidades para estrangeiros de custo mais baixo, e os clubes outros países não mais correriam o risco de perderem seus jogadores de graça.

Mas a prática pode se mostrar outra.

kakuta_415x275

O jornalista Oliver Kay, do The Times, explicou o porque em seu artigo na versão online do jornal. Afinal de contas, como nacionalidade não está em questão, os ingleses partiriam para cima dos jovens de outros países com ainda mais intensidade, em idades ainda mais jovens (e menos protegidas por legislações trabalhistas). Segundo o critério adotado pela Premier League, Macheda e Fábregas são tão ingleses quanto Walcott e Rooney. Continuaria sendo mais barato “roubar” atletas das categorias de base de outros países a formar seus próprios atletas, o que tornaria a vida dos atletas ingleses ainda mais competitiva, pois mais e mais adolescentes e crianças tomar-lhe-iam os lugares nas categorias de base dos clubes.

Nesta semana o jornalista Tim Vickery publicou em seu blog os danos que o futebol sul americano poderia sofrer. Os clubes ingleses começarão a levar os atletas do continente muito antes deles fazerem suas estréias profissionais, aumentando o vácuo de talentos no continente. Os clubes sul americanos mais bem sucedidos costumam desenvolver os jovens talentos e, depois de certo nome, vendem-nos e com isso sustentam-se financeiramente. O Boca Junior e o São Paulo são os melhores exemplos dessa filosofia. Com o assédio diretamente às categorias de base, os clubes seriam muito menos remunerados pelos jogadores perdidos, se remunerados forem. Afinal, casos como o dos irmãos Rafael e Fabio da Silva, saídos de graça da categoria de base do Fluminense para o Manchester United seriam cada vez mais comuns.

Neste mesmo sentido o excelente site português Futebol Finance publicou uma análise onde eles também expressam suas preocupações sobre a ineficácia da medida para aumentar o número de jogadores ingleses e estimular as categorias de base.

Outros posts sobre futebol, mercado e globalização aqui.

Um poema às quartas

john-donne

THE FLEA.


MARK but this flea, and mark in this,
How little that which thou deniest me is ;
It suck’d me first, and now sucks thee,
And in this flea our two bloods mingled be.
Thou know’st that this cannot be said
A sin, nor shame, nor loss of maidenhead ;
Yet this enjoys before it woo,
And pamper’d swells with one blood made of two ;
And this, alas ! is more than we would do.

O stay, three lives in one flea spare,
Where we almost, yea, more than married are.
This flea is you and I, and this
Our marriage bed, and marriage temple is.
Though parents grudge, and you, we’re met,
And cloister’d in these living walls of jet.
Though use make you apt to kill me,
Let not to that self-murder added be,
And sacrilege, three sins in killing three.

Cruel and sudden, hast thou since
Purpled thy nail in blood of innocence?
Wherein could this flea guilty be,
Except in that drop which it suck’d from thee?
Yet thou triumph’st, and say’st that thou
Find’st not thyself nor me the weaker now.
‘Tis true ; then learn how false fears be ;
Just so much honour, when thou yield’st to me,
Will waste, as this flea’s death took life from thee.

A PULGA

Nota esta pulga, e nota, através dela,
Que o que me negas é uma bagatela;
Tendo sugado a mim, e a ti depois,
Nela se mescla o sangue de nós dois;
Sabes que isso não pode ser chamado
Defloração, vergonha, nem pecado;
Ela, no entanto, rude e ousada,
De sangue duplo se deforma empanturrada,
E, perto disso, o que desejo, ai! não é nada.

Pára! Três vidas poupa este momento,
Onde houve quase… oh, mais que um casamento.
Somos a pulga, e a nós ela é perfeito
Templo de núpcias e de núpcias leito;
Contra ti e teus pais, a união se deu
Nesse claustro murado em vivo breu.
Matando-me pela honradez,
Praticarás o suicídio a uma só vez,
E o sacrilégio,três pecados pelos três.

De púrpura manchaste, sem demência,
As unhas com o sangue da inocência?
Essa pulga seria tão daninha,
Só por te haver sugado uma gotinha?
Porém, exultas porque após tal morte
Nenhum de nós se mostra menos forte.
Bem, vê como o temor é ruim;
Perderás tanto de honra ao vires para mim.
Quanto de vida porque a pulga teve fim.

Trad. de Jorge de Sena

We are not the robots

Revisitando os robôs.

Jesus, lembra-te de mim

O Brasil não é um país racista

Poucas (pouquíssimas) coisas me tiram mais do sério que manifestações claras de racismo, ainda mais as travestidas de “justiça”. Não disse que poucas coisas me tiram do sério. Ao contrário, eu sou um estressadinho que perde a paciência por qualquer coisa. Mas pelo fato de colocar o racismo no topo da minha lista (me tira mais do sério que uma derrota do Palmeiras, como essa ridícula para o Vitória) mostra o quão deplorável é a questão. Ainda.

Como a Vênus Platinada, e seus bracinhos representados por Folha de São Paulo, Estadão, Veja, etc, consegue moldar a opinião pública com uma facilidade poucas vezes reproduzível no mundo atual, já houve a ridicularização e desqualificação da política de ações afirmativas no Brasil. Não adianta mais explicar que as ações afirmativas não são feitas para serem permanentes, nem explicar que historicamente o Estado já beneficiara outras categorias de pobres no passado (como a distribuição de terras para imigrantes europeus) e que os negros nunca tiveram qualquer possibilidade de inserção no mercado de trabalho ou mesmo de reparação histórica contra os abusos cometidos. Já era. A classe média conservadora (e branca, pois diferentemente do que existe nos EUA, a proporção de afrodescendentes na classe média é irrelevante no Brasil) já se convenceu da inconveniência das políticas de ações afirmativas, bem como das políticas de inserção social (esmolas eleitoreiras, segundo o senso comum).

Racismo Cordial

A Vênus luta para convencer (e até então consegue) a opinião pública da ilegalidade e imoralidade da concessão da propriedade de terra aos quilombolas (pessoas que tem residido naquelas regiões a séculos e que recentemente obtiveram a legalização dos territórios) mas não move um único editorial para mencionar a ilegalidade e imoralidade da ocupação de terras devolutas (do Estado – ou seja, de todos) por parte de fazendeiros (ou seja, posseiros), desqualifica a luta política por reconhecimento através da ridicularização e criminaliza a luta de diversos movimentos sociais e políticos. A propósito, alguém consegue me explicar qual a função da série Gente Lesa? Abordar o tema da sustentabilidade com bom humor – explicação oficial – ou simplesmente solapar a credibilidade do tema junto à classe média?.

Como me falta isenção emocional pra tratar desse tema, melhor recorrer a quem faz melhor. Neste aspecto há o Liberal, Libertário, Libertino, do Alex Castro que na série de posts sobre o racismo aborda as questões com argúcia e precisão: Liberal, Libertário, Libertino – série racismo.

Sobre a questão dos quilombolas, há a organização Koinonia, que é um órgão ecumênico e inter-religioso que assessora os movimentos civis e atualmente é presidido pelo grande amigo e pastor Paulo Ayres Mattos, bispo da Igreja Metodista: Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço.

Não deixem de conferir esses dois links.

We are the robots

Um poema às quartas

cummings1

i thank You God for most this amazing
day: for the leaping greenly spirits of trees
and a blue true dream of sky; and for everything
which is natural which is infinite which is yes

(i who have died am alive again today,
and this is the sun’s birthday; this is the birth
day of life and of love and wings: and of the gay
great happening illimitably earth)

how should tasting touching hearing seeing
breathing any -lifted from the no
of all nothing – human merely being
doubt unimaginable You?

(now the ears of my ears awake and
now the eyes of my eyes are opened)


agradeço-te Deus por mais este espantoso
dia: pelos saltitantes esverdeados espíritos das árvores
e um azul verdade sonho de céu; e por tudo
que é natural, que é infinito, que é sim

(eu que morri estou hoje de novo vivo
e este é o dia de anos do sol; este é o nascente
dia da vida e do amor e das asas: e do alegre
grande acontecimento ilimitadamente terra)

como poderia saboreando tocando ouvindo lendo
respirando tudo – erguido do não
de todo o nada – humano meramente sendo,
duvidar inimaginável Tu?

(agora os ouvidos dos meus ouvidos despertam e
agora os olhos dos meus olhos estão abertos)

(tradução: blog http://asfolhasardem.wordpress.com/ )

Tudo que é sólido desmancha no ar

Estou fazendo um novo curso de teoria literária na minha quase interminável faculdade de letras que tem como mote as relações entre o modernismo, vanguardas e a tradição.

8880_500 (capa antiga da obra)

Uma das leituras obrigatórias é o quase mítico livro do crítico marxista Marshall Berman, “Tudo que é sólido desmancha no ar”, que trata do tema da modernidade, modernização e modernismo. Enfim… obrigatório mesmo é a introdução do livro (para o curso – diga-se), mas ele é de leitura deliciosa e fluente. E por acaso, ao navegar pela blogosfera, descobri esse post sobre a experiência moderna de se comprar e ler um livro:

“Tudo que é sólido desmancha no ar

Às teias estava a poltrona, hein? Até que resolvi, pela 40ª vez, sentar-me novamente a ela.

Bem, contarei, hoje uma anedota. Aconteceu comigo mesmo, e com meus amigos que me acompanhavam na jornada.
Estava eu feliz, dinheiro finalmente cai na conta. O que fazer? A mesma besteira consumista do mês passado? Mas, claro que sim. Agora, com um pouco de raciocínio lógico. Quer gastar em papéis? Vá ao sebo.
Fui até a rua da Fnac, Pinheiros, e passei por todos os sebos de lá. Perguntava, Tem Tudo que é sólido desmancha no ar? E tive direito a dois tipos de respostas, Não, está em falta, muita gente procura por ele; Sim, tenho, mas não o encontro. Perfeito. Tive de me redimir às grandes lojas de livros. Na Livraria Cultura, online, eu encontrava o livro por R$27,00. Na Fnac, eu só o teria se morasse no Morumbi.
Passou-se um dia, e me encontro aqui em frente ao computador sem muita paciência para as coisas que realmente deveria fazer (sem ressentimentos). No melhor pernambucanês, estava bulindo na internet e, pausa. Honestamente, eu tenho muito para fazer, mas não sei bem o que acontece que só funciono sob pressão, mal de jornalista, tudo há de ter deadline. Nesses momentos, sinto dó de mim mesma. Quantos amigos trabalham pela manhã, estudam à tarde comigo, e conseguem acompanhar os textos? Enquanto, eu, aqui, tenho a manhã livre, a noite também, e fico perambulando pela internet procurando por coisas supérfluas. Bem, talvez eu deva, agora, agradecer por essa minha falta de vontade. Voltando à navegação pela internet. Encontrei o livro em arquivo de pdf. É isso. Um texto todo de enfeites para dizer que encontrei o livro de Marshall Berman pela internet e DE GRAÇA. Agora, só me resta salvá-lo e imprimi-lo.
Pergunte-me, porém, se estou satisfeita? Não muito. Gosto de passar o cartão na maquininha e correr o risco de não ser aceita. Nem tanto. O livro foi reimpresso pela Companhia das Letras, dona do melhor perfume para papéis já inventado.
MAS, o que uma boa moça não faz por coisas de graça?

Interessou pelo livro?, vai aí o link. Divirta-se

solido(capa atual)

Eis os novos caminhos da experiência da leitura – a desreificação do objeto literário, saíndo do fetiche da mercadoria e migrando pra virtualização do livro.

Copiado do blog Sentada na Poltrona.

A reificação do futebol

Eu gosto pra caramba de futebol internacional. Acompanho o campeonato inglês assistindo as principais partidas transmitidas e os melhores momentos da rodada completa. Assisto também algumas partidas do campeonato italiano e o que dá do campeonato alemão. Não assisto mais porque, afinal de contas, eu também tenho outros centros de interesse, uma vida social e família 🙂 .

Porém uma coisa é acompanhar e assistir os campeonatos onde, em última instância, estão os principais jogadores do mundo (europeus, asiáticos, africanos e sulamericanos). Outra coisa é torcer, ser apaixonado. Torcer, eu torço pelo Palmeiras, muito embora eu tenha diversas preferências futebolísticas espalhadas Europa afora, como a Internazionale (não me esqueço nunca da primeira partida que assisti, do fascínio que aquele lindíssimo uniforme exerceu e do futebol refinado que Karl-Heiz Rummenigge desfilava), o Liverpool FC e o Tottenham Hotspur.

Mas é cada vez mais comum jovens brasileiros se apresentarem como “torcedor do Chelsea”, “torcedor do Barcelona”, “torcedor do Real Madrid” e assim por diante. Estamos diante de um fenômeno que é o de times europeus cativarem adolescentes brasileiros como seus adeptos.

E qual o problema disto?

A priori, nenhum.  Afinal de contas no sudeste asiático e na África, a maior parte da população torce para os times europeus, que brigam por esse mercado com unhas, dentes e fortes estratégias de marketing (como a excursão do Manchester City pela África nesta pré-temporada, ou a do Manchester United na África do Sul, Liverpool por Singapura e China e assim por diante). Mas o que começa a chamar a atenção é o fato de que o Brasil, com uma tradição futebolística sólida e gloriosa, começa a padecer diante dessa concorrência.

E isto é uma mudança de paradigma característico da pós modernidade: a dissolução dos laços de pertença da comunidade. Noções que “cimentam” socialmente uma comunidade como religião, etnia, classe, etc, tornam-se cada vez menos relevantes no mundo da globalização e da comunicação instantânea. Em um passado relativamente próximo um clube cativava uma comunidade geograficamente instalada (Palmeiras na Vila Pompéia, Corínthians na zona leste, clubes de futebol do RJ com o nome de seus bairros com Flamengo, Botafogo etc.), etnicamente restrita (italianos palmeirenses, portugueses vascaínos) e socialmente demarcada (São Paulo FC, o time da “elite” paulistana). Atualmente, muito embora os clubes procurem marcar sua origem como o atual terceiro uniforme do Palmeiras faz menção à cruz de savóia (símbolo da casa real italiana), a diversificação da base de torcedores é disseminada. Todavia, na Europa, principalmente na Inglaterra, a regra ainda é geográfica e social, com torcedores do Tottenham residentes no norte de Londres, do Chelsea na zona oeste, do West Ham na zona leste e assim por diante.

Mas o que realmente salta à vista é que, muito embora questões como pertença a comunidade sejam marcadamente ideológicas,  a escolha do time de futebol a se torcer passa a obedecer critérios mercadológicos e consumistas.

Os processos básicos do capitalismo são a dissolução e a fragmentação. E é o que tem acontecido ao se transformar uma experiência cultural e coletiva da pertença a uma torcida em um consumo individual. Pertencer a uma torcida (não estou falando de torcidas organizadas ou outro tipo de organização – sim da experiência cultural) significa compartilhar valores, expectativas e  emoções com outras pessoas. Significa ter um objetivo em comum, adversário comum. Ir a um estádio de futebol é uma experiência marcante, que envolve reunir-se com outros indivíduos que compartilham os mesmos valores, vivenciar com essas pessoas a emoção do pré, do jogo e do pós-jogo (neste aspecto nenhum estádio da cidade de São Paulo oferece a mesma qualidade que o Palestra Italia, pelo fato de haver uma profusão de bares nas ruas Turiassu, Caiowas, Diana, Caraibas e Padre Chico, onde a torcida se reúne horas antes da partida para beber uma cerveja congelante, comer um sanduíche de pernil ou um cachorro quente, cantar coros de guerra, batucar, se preparar para a partida – infra-estrutura que o Pacaembu e o Morumbi não oferecem) e depois discutir com essas pessoas e com os adversários o rumo da partida. Não é apenas assistir a partida. É mais que isso.

O torcedor de times de outros países, ao consumir o produto ao invés de vivenciar a experiência, é paciente de dois processos: o fetiche da mercadoria e a reificação.

camp_nou

Fetiche é um termo primeiramente utilizado para se referir a religiões animistas, onde um ídolo (objeto) representa uma divindade, e o cultuador dessa divindade adora o ídolo. Freud utilizou o termo para descrever o comportamento sexual onde a pessoa transfere para uma parte ou para um objeto o foco do desejo, desviando do todo, o que é ao mesmo tempo uma representação e um impedimento. Por exemplo, ao cultuar o pé (podolatria) ou uma peça de lingerie, o fetichista dedica a uma parte ou a um objeto (que ao mesmo tempo representa o corpo feminino e impede o acesso a ele) o desejo que deveria ser, em última instância dedicado ao corpo feminino.

E no capitalismo o fetichismo explica como o consumo de mercadorias ao mesmo tempo representa e impede que o consumidor vivencie experiências significativas. É o caso do executivo que possui uma picape 4×4 cabine dupla e a utiliza para se deslocar de casa-trabalho-casa apenas. O objeto, a picape, representa os ideais de aventura, liberdade, esportividade e radicalismo. O consumidor não vivencia essa experiência, mas consome um produto que a representa.

E a reificação, que é a transformação de tudo em coisa, em objeto, com valor de troca suplantando o valor de uso. Inclusive a experiência da pertença a uma torcida. Ao invés de vivenciar coletivamente, culturalmente a filiação a um time de futebol, atualmente há o consumo de um produto acabado com valor de troca, através da televisão a cabo, da internet e dos produtos relacionados aos times de futebol estrangeiros.

reification

Quando o jovem compra uma camisa do Manchester United, do Milan ou do Barcelona e afirma sua filiação a essas equipes, está acontecendo um processo semelhante ao processo do consumo de um produto não pelo seu valor de uso, aquilo que ele realmente nos oferece de benefícios, mas com base no fetiche, naquilo que o produto representa, mas não oferece. Está acontecendo um processo semelhante ao do rapaz que compra uma motocicleta baseado nas propagandas que enfatizam a liberdade, o cabelo ao vento, muito embora a utilize para zanzar entre as faixas da Marginal Pinheiros, ou do homem que consome uma bebida não pelo sabor, mas pelo ideal de masculinidade, de sedução e de status que a propaganda vende. O jovem compra, junto com a camiseta e o pacote de TV a cabo a experiência de se pertencer a um time quase imbatível, a atmosfera do estádio sempre lotado que canta sem parar os cânticos de incentivo, a coletividade festeira que celebra os melhores atletas do mundo, só que sem viver a experiência, substituíndo-a por uma coisa, um fetiche.

Nada a se lamentar. Pois processos históricos são inexoráveis. Mas a se constatar. Afinal de contas, muito embora o torcedor de futebol goste de afirmar que sua paixão é irresistível, inexplicável e misteriosa, na verdade não é. É perfeitamente explicável, tanto a do sãopaulino quanto a do barcelonista tupiniquim.

https://sinosdobram.wordpress.com/2009/07/20/futebol-globalizado-aqui-nao/

Thank God it’s Friday – Strong Suffolk Vintage Ale

Eis uma das melhores opções de compra de cerveja em minha humilde e leiga opinião. A Strong Suffolk Vintage Ale é uma Old Ale, que é um blend de duas ales, uma delas envelhecida por dois anos em barril de carvalho. As cervejas vintage tem como característica a possibilidade de envelhecimento, diferentemente das cervejas lagers, que são feitas para consumo rápido. A Strong Suffolk não evolui muito em garrafa, pois ela já envelhecera na cervejaria. Porém não perde a validade tão rapidamente como outras cervejas industriais.

Strong Suffolk 2

E como chamar essa cerveja, que custa em média R$ 20,00 a garrafa de 500 ml de “uma das melhores opções de compra”? Ora, cervejas com essa qualidade, com essa complexidade de aromas e sabores costuma custar, em média R$ 40,00 a R$ 60,00. E a Strong Suffolk tem um ótimo preço pelo que ela oferece.

Não é uma cerveja muito carbonatada. E deve ser consumida a uma temperatura não tão baixa, para não amortecer a língua e com isso deixar o sabor sem graça. A cerveja tem aromas frutados e caramelados, graças ao malte, e um sabor incrível.

Altamente recomendável.

Um poema às quartas

jb_nation_poe_1_m

Annabel Lee

It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of ANNABEL LEE;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.

I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea;
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee;
With a love that the winged seraphs of heaven
Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsman came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in heaven,
Went envying her and me-
Yes!- that was the reason (as all men know,
In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.

But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in heaven above,
Nor the demons down under the sea,
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee.

For the moon never beams without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling- my darling- my life and my bride,
In the sepulchre there by the sea,
In her tomb by the sounding sea.

Annabel Lee

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor,
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar…
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.

(tradução: Fernando Pessoa)

Autoparódia

Me lembro até hoje do dia em que meu pai nos levou para assistir “Indiana Jones e Última Cruzada” no cinema. Ano de 1989, fomos ao antigo Cine Comodoro, na Avenida São João. Era um cinema imenso, majestoso, com projeção em 35 mm (o padrão é 16 mm), tela gigantesca e mais de mil assentos.

indiana-jones-e-ultima-cruzada-poster01

Eu, então com quinze anos, havia assistido aos dois primeiros filmes da série em videocassete Sony padrão Betamax, “Os Caçadores da Arca Perdida” e “Indiana Jones e o Templo da Perdição“.

Critica-Especial-Os-Cacadores-da-Arca-Perdida-E-O-Vento-Levou-Star-Wars-O-Rei-Leao

indianajones

Foi com essas lembranças que recebi o lançamento do novo Indiana em 2008 e, como sempre, com dor no coração deixei de assistí-lo em película, numa (já não tão grande e majestosa como o finado Comodoro) sala de cinema. Mas como a vida sempre nos oferece oportunidades para compensarmos a falta de “timing”, assisti na última semana o filme.

indianajones4

E a sensação foi de frustração. Não pelo fato do Harrison Ford ser um velho e, portanto, completamente iverossímeis as cenas de aventura. Nem pelo fato da trama ser extremamente fraca.

Mas porque o negócio se tornou uma paródia de si mesmo. O roteiro é ruim. As interpretações são ruins. As reviravoltas são previsíveis. A (costumeiramente maravilhosa) Cate Blanchett está constrangedoramente ruim. Os clichês, até justificáveis nesse gênero, desfilam embaraçosamente na frente do espectador.

A série ganharia mais se tivesse terminado no terceiro episódio.