Arquivo da tag: clipping

Comparando

Deus e as eleições

Plebiscito Pelo Limite Da Terra

PLEBISCITO PELO LIMITE DA TERRA

Vivem hoje na zona rural brasileira cerca de 30 milhões de pessoas, pouco mais de 16% da população do país. O Brasil apresenta um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo: quase 50% das propriedades rurais têm menos de 10 ha

por Frei Betto

Entre 1 e 7 de setembro o Fórum Nacional da Reforma Agrária e Justiça no Campo promoverá, em todo o Brasil, o plebiscito pelo limite da propriedade rural. Mais de 50 entidades que integram o Fórum farão da Semana da Pátria e do Grito dos Excluídos, celebrado todo 7 de setembro, um momento de clamor pela reforma fundiária em nosso país.

Vivem hoje na zona rural brasileira cerca de 30 milhões de pessoas, pouco mais de 16% da população do país. O Brasil apresenta um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo: quase 50% das propriedades rurais têm menos de 10 ha (hectares) e ocupam apenas 2,36% da área do país. E menos de 1% das propriedades rurais (46.911) têm área acima de 1 mil ha cada e ocupam 44% do território (IBGE 2006).

As propriedades com mais de 2.500 ha são apenas 15.012 e ocupam 98,5 milhões de ha: 28 milhões de hectares a mais do que quase 4,5 milhões de propriedades rurais com menos de 100 ha.

Diante deste quadro de grave desigualdade, não se pode admitir que imensas propriedades rurais possam pertencer a um único dono, impedindo o acesso democrático à terra, que é um bem natural, coletivo, porém limitado.

O objetivo do plebiscito é demonstrar ao Congresso Nacional que o povo brasileiro deseja que se inclua na Constituição um novo inciso limitando a propriedade da terra – princípio adotado por vários países capitalistas – a 35 módulos fiscais. Áreas acima disso seriam incorporadas ao patrimônio público e destinadas à reforma agrária.

O módulo fiscal serve de parâmetro para classificar o tamanho de uma propriedade rural, segundo a lei 8.629 de 25/02/93. Um módulo fiscal pode variar de 5 a 110 ha, dependendo do município e das condições de solo, relevo, acesso etc.. É considerada pequena propriedade o imóvel com o máximo de quatro módulos fiscais; média, 15; e grande, acima de 15 módulos fiscais.

Um limite de 35 módulos fiscais equivale a uma área entre 175 ha (caso de imóveis próximos a capitais) e 3.500 ha (como na região amazônica). Apenas 50 mil entre as cinco milhões de propriedades rurais existentes no Brasil se enquadram neste limite. Ou seja, 4,950 milhões de propriedades têm menos de 35 módulos fiscais.

O tema foi enfatizado pela Campanha da Fraternidade 2010, promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Todos os dados indicam que a concentração fundiária expulsa famílias do campo, multiplica o número de favelas e a violência nos centros urbanos. Mais de 11 milhões de famílias vivem, hoje, em favelas, cortiços ou áreas de risco.

Nos últimos 25 anos, 1.546 trabalhadores rurais foram assassinados no Brasil; 422 presos; 2.709 famílias expulsas de suas terras; 13.815 famílias despejadas; e 92.290 famílias envolvidas em conflitos por terra! Foram registradas ainda 2.438 ocorrências de trabalho escravo, com 163 mil trabalhadores escravizados.

Desde 1993, o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho libertou 33.789 escravos. De 1.163 ocorrências de assassinatos, apenas 85 foram a julgamento, com a condenação de 20 mandantes e 71 executores. Dos mandantes, somente um se encontra preso, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, um dos mandantes da eliminação da irmã Dorothy Stang, em 2005.

Tanto o plebiscito quanto o abaixo-assinado visam a aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC 438) que determina o confisco de propriedades onde se pratica trabalho escravo, bem como limites à propriedade rural. As propriedades confiscadas seriam destinadas à reforma agrária.

Embora o lobby do latifúndio apregoe as “maravilhas” do agronegócio, quase todo voltado à exportação e não ao mercado interno, a maior parte dos alimentos da mesa do brasileiro provém da agricultura familiar. Ela é responsável por toda a produção de verduras; 87% da mandioca; 70% do feijão; 59% dos suínos; 58% do leite; 50% das aves; 46% do milho; 38% do café; 21% do trigo.

A pequena propriedade rural emprega 74,4% das pessoas que trabalham no campo. O agronegócio, apenas 25,6%. Enquanto a pequena propriedade ocupa 15 pessoas por cada 100 ha, o agronegócio, que dispõe de tecnologia avançada, somente 1,7 pessoas.

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org -Twitter:@freibetto

*Este artigo foi publicado na edição de 13 de agosto de 2010 do Correio Braziliense, na editoria Opinião, pág. 17

http://www.limitedaterra.org.br/index.php

A Paróquia da Trindade (Igreja Anglicana) oferecerá seu espaço, entre os dias 1-7 de setembro, para o Plebiscito pelo Limite da Propriedade da Terra. Participe assinando o abaixo assinado.

Endereço

Praça Olavo Bilac, nº 63. Campos Elíseos. CEP 01201-050. São Paulo-SP Tel/Fax: 11- 36678161
Próximo a Estação Metrô Marechal / início da Av.Angélica
Estacionamentos: Praça Olavo Bilac e na Rua Pirineus.

http://trindade.org/drupal/

Medos privados em lugares públicos

Ou seriam lugares privados mesmo?

Para quem achava que o máximo de mobilização política da classe média-alta era a passeata das dasluzetes pela liberação do bronzeamento artificial (o Discreto Charme da Burguesia).

Para quem achava que a sociedade organizada em seu ápice era o assédio moral àqueles que quisessem atuar contra a fome e a miséria nas ruas de São Paulo (Desmendigação).

Não. Agora chegamos à quintessência da inversão de valores de cidadania.

Higienópolis não quer metrô
Por FPS3000 às 9:28 PM Links para esta postagem

Higienópolis não quer uma estação de metrô dentro do bairro.

E é capaz de conseguir seu intento, mantendo o caráter de condomínio fechado que possui desde sua fundação, já que estações de metrô, se abrem os bairros à visitação pública, trazem também com isso a sensação de insegurança típica de quem não quer encarar o mundo à sua volta e tem muito medo de ver a realidade que o cerca.

Higienópolis não quer metrô, assim como a Vila das Belezas, que impediu a construção de uma estação na linha 5 pelo mesmo motivo (manter a característica fechada do bairro); e como a Chácara Klabin, dos condomínios fechados e segurança cada vez mais rígida, que inclusive melhora a Polícia de sua região com recursos próprios para poder isolar-se com mais dignidade do mundo que cerca a região.

Numa ironia que corrói, e fere, e destrói – como tanta coisa estúpida que só existe nessa selva de pedra chamada São Paulo.

Essa classe média alta, classe B, que não quer o populacho beirando sua piorta, nem os mendigos e ambulantes, prefere se mobilizar para isolar-se que correr atrás de soluções para os problemas que afligem a todos, sem exceção.

E o que é mais engraçado, tratam-se de pessoas que andam à vontade nas ruas parisienses, mas que não é capaz de perceber que desenvolvimento de verdade é deixar o carro em casa e usar os pés para ir a qualquer parte.

Ou as rodas, por exemplo, como a turma da bike tem mostrado cada vez mais, ainda que com os exageros típicos dos ativistas de plantão.

….

E eles ainda querem se defender de nós … oh, e agora, quem é que vai ME defender dessa gente que está tornando São Paulo uma cidade cada vez mais cretina?

Copiado do Trash ETC.

E

Movimento Nos Defenda de Higienópolis

Reportagem da Folha Online diz que moradores do chiquetérrimo Higienópolis estão se mobilizando CONTRA a possível presença de uma estação de metrô no seu bairro, famoso pela diversidade de cachorrinhos de raças exóticas (pugs, chow-chows, scottish terriers e french bulldogs) que esmerdeiam as calçadas e fodem com o nome do aprazível vilarejo.

É, você não leu errado: eles não querem metrô na porta de casa. Metrô tem de passar longe porque atrai muito pobre, camelô, drogado e vagabundo. Afinal, compramos nossos Mercedes, Azeras e BMWs justamente para não dependermos dessas latas de sardinha e nos misturarmos à choldra ignara e seus perfumes baratos.

Não é a primeira vez que isso acontece no planalto paulistano. No também chiquetérrimo Morumbi, as madames subiram em seus saltos sete-e-meio, empunharam suas bolsas Louis Vuitton e foram à luta, impedindo com uma mobilização altaneira a construção da Estação Três Poderes da linha 4. Com isso, ou o empregado doméstico deles desce na estação São Paulo – Morumbi (e toma um busão), ou desce na estação Butantã (e toma um busão), o que resultará num dos trechos mais longos (se não for o MAIS longo) entre estações de todo o metrô paulistano. Eles que acordem mais cedo, oras! Afinal, a Martaxa fez bilhete único e os serviçais podem tomar quantas conduções precisarem para saírem de suas aldeias primitivas e chegarem à civilização.

Alguns viram na mobilização dos quatrocentões do Movimento Defenda Higienópolis contra a horda de desocupados que o metrô traz em seus vagões apenas uma desculpa para a real preocupação dos bacanas: impedir o aumento do IPTU de suas taperas de 400 m² superpostas. Só quem não conhece SP poderia pensar nessa hipótese: quando se fala em imóvel aqui na Paulicéia, a palavra associada é “valorização”. E existe um movimento bastante peculiar por aqui: se uma estação é construída perto de um centro comercial ou bairro popular, os imóveis do entorno se valorizam. O mesmo não ocorre nos “redutos dos homens bons”. Portanto, o problema é que eles acham que transporte público degrada o entorno e, por consequência, desvalorizará suas residências. IPTU é o de menos, pode-se ajeitar isso com um bom vereador a propor uma desvalorização na PGV da região, baseado em estudos estatísticos confiáveis patrocinados pela Cyrella ou Adolpho Lindemberg.

Especificamente sobre Higienópolis/Pacaembu, é secular a guerra dos moradores contra o Estádio Paulo Machado de Carvalho, que para eles deveria ser fechado aos fétidos torcedores e destinado exclusivamente para suas caminhadas matinais e, vá lá, a tradicional feira livre da Praça Charles Miller, onde podem adquirir vegetais fresquinhos para o repasto. E, claro, comer pastel. Afinal, todo rico tem de ter umas manias de pobre pra se mostrar enturmado, solidário e galeroso.

É muito provável que a mobilização dos bacanas de Higienópolis seja bem sucedida, a julgar pela experiência exitosa dos colegas do Morumbi e à tradicional sensibilidade dos governantes paulistas às reivindicações dos homens bons da nação.

Roubando o genial Humberto Capellari, humildemente proponho a criação do Movimento nos Defenda de Higienópolis, antes que seja tarde.

Copiado do Com Fel e Limão.

E você ein, que estava até aumentando a fé na espécie humanus paulistanus…

O casamento entre homossexuais

Texto tirado do Blog do Alon, com negritos meus.

O casamento entre homossexuais (20/07)

Em resumo, trata-se apenas de lançar o tema da escolha sexual no rol dos assuntos com que o Estado nada tem a ver

Falta nesta eleição alguém viável e que reúna coragem para dizer simplesmente o seguinte: “Vou fazer como a presidente da Argentina, vou trabalhar para aprovar no Congresso Nacional a liberação plena do casamento entre pessoas do mesmo sexo”.

É casamento mesmo, e não subformas de contornar a encrenca. O debate entre os argentinos foi esclarecedor. Trata-se apenas de garantir um direito fundamental: o da igualdade. Se heterossexuais podem casar-se, por que não estender a prerrogativa aos homossexuais?

Assuntos como a religião e a orientação sexual são da esfera privada. E o Estado? Cabe a ele oferecer as condições para o pleno exercício do direito de escolha. Só. Se determinada igreja condena certas preferências sexuais, que selecione os fiéis como bem entender. Mas é assunto dela, não nosso (se a ela não pertencemos).

Complicado é a Igreja Católica tratar com suavidade os casos de pedofilia homossexual em suas fileiras e, ao mesmo tempo, pressionar os poderes constituídos para manter como cidadãos de segunda categoria os homossexuais que desejam levar uma vida transparente, digna e cidadã.

Idem para as demais igrejas, incluídas as evangélicas. Se estão insatisfeitas com a influência do catolicismo na esfera pública, não é razoável que também queiram ditar normas para quem não segue sua cartilha.

É hora de enfrentar o preconceito, nas diversas variações. Uma delas: a resistência a permitir que casais homossexuais adotem crianças.

Vamos acabar com isso. Dezenas de milhares de pequenos órfãos ou relegados esperam uma oportunidade de futuro. Orientação sexual não define a qualidade do pai, ou da mãe, para criar o filho, ou a filha.

Em resumo, trata-se apenas de lançar o tema da escolha sexual no rol dos assuntos com que o Estado nada tem a ver.

Eis um ponto. Mas infelizmente é baixa a probabilidade de ele e outros relevantes serem debatidos com franqueza e objetividade. O script dos candidatos viáveis é sabido. Eles percorrem o país não para saber o que devem fazer, mas principalmente para recolher os vetos provenientes dos diversos grupos de pressão.

Assim, pouco a pouco, os candidatos vão se transformando em portadores do nada. Ou do quase nada. A consequência natural é serem incapazes de mobilizar a sociedade. Daí que estejamos diante da campanha eleitoral talvez mais passiva desde a redemocratização.

Do jeito que vai, ela só galvanizará mesmo os portadores e beneficiários de espaços estatais (ou paraestatais) e os candidatos a um. Cada qual no seu papel. Já a sociedade acompanhará à distância, reservando-se o direito de decidir na hora da urna.

Nos países desenvolvidos costuma ser assim, quando a eleição não coincide com nenhuma grande crise. O problema é que nós não somos ainda um país desenvolvido. Temos impasses gigantescos a superar. Impasses cuja solução exige imensa energia social.

O “casamento gay” é um exemplo. Deve haver outros. Mas em fase de bonança econômica nem o governismo quer marola nem a oposição tem coragem de ousar.

Uma pena.

A subversão do cristianismo

As mudanças radicais no mundo ocidental tem levado muita gente a reexaminar o modo como a igreja existia dentro da cristandade. Muitos tem prestado crescente atenção às vozes que vem das margens, tanto dentro quanto fora do mundo ocidental. Essas vozes (juntamente com Rahner, Hauerwas e Willimon) apontam que a igreja da cristandade havia se tornado uma igreja profundamente comprometida. Aqui três dessas vozes serão brevemente analisadas.

A primeira nasceu na América Latina e encontra sua expressão nas obras dos teólogos da libertação. A teologia da libertação sustenta que a igreja da cristandade ocidental (bem como o modelo de “Nova Cristandade” de Jacques Maritain na América Latina) é uma igreja maculada pelo sangue dos oprimidos. Ao associar-se aos detentores do poder, a própria igreja tornou-se um dos opressores, recusando-se de modo ativo ou passivo a engajar-se em determinadas atividades ou diálogos. O fato de que muitos cristãos ocidentais se mostrem incapazes de ver o elo entre libertação e fé revela o quanto domesticaram o evangelho que começou como “boas novas” para os pobres. Uma das consequências disso é que muitos revolucionários sociais e guerreiros da liberdade acabaram abandonando a igreja, pois “não encontraram na instituição qualquer possibilidade de concretizarem o seu comprometimento, vendo-se muitas vezes obrigados a assumir uma postura de oposição à igreja como sociedade”.

A segunda voz ergue-se da comunidade Sojourners/Residentes temporários, e encontra expressão na obra de Jim Wallis. Em sua crítica do cristianismo cultural, Wallis argumenta que a igreja da cristandade é essencialmente falha devido a suas alianças com a mídia e com as estruturas de poder político. Isso produz um nacionalismo evangélico que simplesmente perpetua a teologia do império. Por ter aceitado as grandes questões do império, todas as vezes que toma alguma posição a igreja o faz de modo equivocado. Isso gera uma igreja impotente que “salva” as pessoas ao mesmo tempo em que deixa de transformar a sociedade.

Essa, afirma Wallis, é uma completa traição do cristianismo. Na cristandade ocidental:

…essa inversão é tão completa, a cegueira tão total, que hoje em dia interesses ricos e poderosos chegam a usar a evangelização a fim de enfocar a atenção das pessoas nos seus pecados pessoais, de modo a distraí-los da realidade da exploração e da opressão.

Em vista disso Jacques Ellul, a terceira voz profética, argumenta que o cristianismo tem sido totalmente subvertido pelo estado e pelos poderes. A igreja triunfante do cristianismo, que batizou a sociedade e fez de todos os seus membros cristãos, representa o rigoroso oposto do cerne da fé cristã. Pois o cristianismo, como revelado no Novo Testamento, não pode fazer milhões de convertidos nem tem como gerar entradas de milhões de dólares. Como o cristianismo existe em conflito com a sociedade e o estado, a igreja tende a cansar-se dessa tensão. Então “toma lugar a subversão, não porque a sociedade é perversa, mas porque a revelação é intolerável”. Porém, como as pessoas dentro da cristandade não querem dar a impressão de que rejeitam o cristianismo, ele é pervertido e subvertido. Dentro desse cristianismo subvertido as forças do estado, do dinheiro, do poder, do engano, da acusação, da divisão e da destruição passam a reinar. Esses poderes só se mostram incapazes de se tornarem soberanos por causa do trabalho do Espírito Santo. O sucesso dos poderes dentro do cristianismo, sua “vitória explosiva”, só pode ser compreendido como a bem-sucedida subversão do cristianismo.

À luz do declínio da cristandade é especialmente importante ouvir essas vozes, para que não aconteça que a igreja limite-se a buscar um simples retorno à era da cristandade. Ao invés de retornar à cristandade, a igreja missional deve voltar a uma compreensão mais genuína da sua fé, uma que dê ouvidos às vozes proféticas e desconfie das alianças com poderes sócio-políticos. Como afirma Rahner, “deveríamos ficar surpresos de quão raramente a igreja entra em conflito com os detentores do poder. Isso por si só deveria fazer com que nos tornássemos profundamente desconfiados de nós mesmos”.

Daniel Oudshoorn
Poser or Prophet

Copiado de A Bacia das Almas

Democratizar o dinheiro, a terra, a palavra

O Emir Sader é um dos mais importantes pensadores de esquerda do Brasil. Não é pouco, ainda mais ao observar o time das idéias no lado direito do campo, profundamente enfraquecido após a morte de Roberto Campos e Paulo Francis, por exemplo. Afinal, depender de Olavo de Carvalho, um parnasiano fora da realidade que mistura fanatismo religioso com reacionarismo recalcitrante, ou Reinaldo Azevedo (nem dá para citar o bobo-da-corte Diogo Mainardi) é realmente muito pouco.

Mas a pobreza da inteligentsia da direita (embora também não dê para elogiar a produção de esquerda com tanto entusiasmo assim) é até explicável pela total falta de necessidade de haver uma contundente defesa do ideário conservador. Não há. Há um aparato ideológico tão coesamente militante, formado pelos meios de comunicação que tratam de naturalizar o pensamento conservador que o trabalho hercúleo de se desmontar a construção ideológica é dos pensadores de esquerda, não o contrário.

Daí a importância do professor da UFRJ. Ocupa um espaço antes compartilhado com outros nomes da reflexão de esquerda, como o Idelber Avelar . Eu nem sempre concordo com ele. Não que eu discorde de seu radicalismo. Ao contrário. Considero imprescindível  a existência do pensamento radical no campo das idéias, até como uma vacina contra o excessivo pragmatismo eleitoral e governamental. Discordo de sua falta de crítica em relação a Bolívia, considerada muitas vezes como uma alternativa, não como um governo populista e autocrático. Enfim… nada é perfeito…

Mas esta coluna de Emir, publicada no site Carta Maior, acertou na mosca. Ainda mais na época de vuvuzelas midiáticas e cala boca galvão/dunga/tadeu schimidt e outras bobagens na mídia tuiteira.

Democratizar o dinheiro, a terra, a palavra

O problema maior da transição da ditadura à democracia no Brasil é que a democracia se restringiu ao sistema político. Não foram democratizados pilares fundamentais do poder na sociedade: terra, bancos, meios de comunicação, entre outros.

O Brasil da democracia teve assim elementos fortes de continuidade com o da ditadura. A política de meios de comunicação, por exemplo, nas mãos de ACM, o ministro de Sarney, completou a distribuição clientelística de canais de radio e televisão e favoreceu a consolidação do monopólio da Globo – os próprios Sarney e ACM, proprietários de emissoras ligadas à rede da Globo.

Não se avançou na reforma agrária, nem foi tocado o sistema bancário. É como se a ditadura tivesse sido apenas uma deformação de caráter político aos ideais democráticos. Mas nem os agentes imediatos do golpe e sujeitos políticos do regime – as FFAA – foram punidos. Como se tivesse sido “um mal momento”, até mesmo “um mal necessário”, como diriam as elites políticas tradicionais, que seguem por ai.

No entanto o golpe e a ditadura foram extraordinariamente funcionais ao capitalismo brasileiro. O processo que se desenvolvia de democratização política, econômica e social do país não interessava nem aos capitais estrangeiros, nem aos grandes capitais brasileiros. Estes, concentrados em áreas monopólicas, não se interessavam no enorme mercado popular urbano que o aumento sistemático do poder aquisitivo dos salários propiciava, nem no mercado popular rural, a que a reforma agrária apontava.

O eixo da indústria automobilística no setor do grande capital industrial e outros setores que produziam para os setores da classe média, para a burguesia e para a exportação, se coligaram com os golpistas no plano político, para impor, mediante o golpe, um modelo que atacava duramente o poder aquisitivo dos salários.

O golpe os atendeu imediatamente, com intervenção em todos os sindicatos e com a política de arrocho salarial. Foi uma “lua-de-mel” para os empresários, uma super exploração do trabalho, mais de uma década sem aumento de salários, sem negociações salariais. Bastaria isso para entender o caráter de classe do golpe e do regime e militar.

A dura repressão aos sindicatos e a todas as formas de organização do movimento popular contaram com o beneplácito do silêncio dos órgãos de comunicação, que pregaram o golpe e apoiaram a instalação do regime de terror que comandou o país por mais de duas décadas.

A democracia reconheceu o que os trabalhadores – com os do ABC na linha de frente – haviam conquistado: a legalização da luta sindical, junto ao direito de existência de centrais sindicais, a legalização dos partidos, o direito de organização dos movimentos populares, entre outras conquistas.

Mas os pilares do poder consolidado pela ditadura ficaram intocados. Ao contrário, seu poder monopólico sobre a terra, o sistema bancário, os meios de comunicação, se fortaleceram.

Esses temas ficam pendentes: quebrar o monopólio do dinheiro, da terra e da palavra – como algumas das grandes transformações estruturais que o Brasil precisa para construir uma sociedade econômica, social, política e culturalmente democrática.

Postado por Emir Sader às 12:13

Escrevendo a Bíblia

Copiado do Pavablog.

66

Outro folhetim do Laerte.

O primeiro, Muchacha, tratava da década de 50. Este, da década de 60. A diferença é que eu postei Muchacha com ele já acabado.  66 está só no começo. E pode ser que demore pra engrenar. Mas, como sempre, vale a pena seguir.

Clique na imagem para ser redirecionado para o folhetim.

P.S. Há outros assuntos no prelo, mas a falta de tempo atrasou um pouco os textos.

Humor negro, humor canino

“Estamos aqui reunidos para a despedida do melhor assistente que um mágico poderia desejar”. Da revista New Yorker, copiado do blog do Maurício Stycer.

Estes, no blog do Laerte.

Abolição?

Se nos Estados Unidos o fim da escravidão levou décadas para se consolidar, imagina no Brasil, onde os movimentos por ações afirmativas são torpedeados pela mídia mainstream de direita ligada à FIESP, FEBRABAM e congêneres?

Então, para lembrar a não-abolição da escravidão de 13 de maio, a mera transferência em massa das senzalas para as favelas, uma importante reflexão sobre o tema:

Mais que uma assinatura.

Foi quando “Cristóvão Colombo”, em 1492, invadiu as Américas que a escravidão passou a ser um grande negócio. Os negros eram trazidos, em sua maioria, da costa ocidental da África, entregues em trocas de quinquilharias, (como facas, espadas, armas de fogo, munições, chapéus, peças de vidro e barras de ferro) pelos próprios governantes da África.

Os primeiros negros chegaram ao Brasil por volta do ano de 1580 para trabalhar nas lavouras (cana-de-açúcar, mais comumente). Os negros eram trazidos nos desprezíveis navios negreiros, as viagens duravam meses e muitos negros não sobreviviam a elas devido às condições subumanas a que eram submetidos, falta de higiene, superlotação e alimentação precária contidas na viagem.

Não se pode pensar que os negros aceitaram pacificamente a opressão e nem que toda a população brasileira da época concordava com a situação imposta pela escravidão. Até que veio uma assinatura e pôs fim na história. Fazer isso é limitar a história da abolição, é ignorar e desrespeitar a memória dos mártires negros, heróis e heroínas, negros e brancos, anônimos que perderam suas vidas lutando pela liberdade. Bem, na historia da abolição houve muito mais sangue do que tinta.

Enfim a assinatura faz parte de um todo formado pelo movimento abolicionista e seus membros, mártires (entre eles José Carlos do Patrocínio e Zumbi dos Palmares) e a pressão internacional (em especial da Inglaterra). A queda da escravidão é muito mais que uma assinatura. Na verdade a assinatura, na minha modesta opinião, é a menor parte.

Continua no blog Projeto5

E também, que tal lembrarmos do mais importante militante pelos direitos civis da história: Martin Luther King.

Martin Luther King, Discurso proferido nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, a 28 de Agosto de 1963

“Estou contente por juntar-me a vós hoje, o dia que entrará para a história como o da maior manifestação pela liberdade na história da nossa nação.

Há cem anos, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos, assinava a Proclamação da Emancipação. Esse decreto fundamental foi como um raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça. Veio como uma aurora feliz para terminar a longa noite do cativeiro. Mas, cem anos mais tarde, devemos enfrentar a realidade trágica de que o Negro ainda não é livre.

Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda lamentavelmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem anos mais tarde, o Negro continua a viver numa ilha isolada de pobreza, no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda definha nas margens da sociedade americana, estando exilado na sua própria terra.

Continua no site Esquerda.net

Por fim, o sermão pregado pelo rev.Luiz Carlos Ramos sobre o tema:

Cartas, algemas e promissórias – Reflexões sobre a liberdade e a libertação a partir da carta de Paulo a Filemom


Luiz Carlos Ramos

No dia 13 de maio de 1888, diz-se que foi abolida a escravatura, pelo menos a oficial, legalizada pelo Estado e abençoada pela Igreja. Essa data é analisada da seguinte maneira pelo historiador Alfredo Bosi:

“o treze de maio não é uma data apenas entre outras, número neutro, notação cronológica. É o momento crucial de um processo que avança em duas direções. Para fora: [porque] o homem negro é expulso de um Brasil moderno, cosmético, europeizado. Para den­tro: [porque] o mesmo homem negro [é] tangido para os porões do capita­lismo nacional, sórdido, brutesco. O senhor liberta-se do escravo [grifo meu] e traz ao seu domínio o assalariado, migrante ou não. (…) Não se decretava oficialmente o exílio do ex-cativo, mas passaria a vivê-lo como estigma na cor da sua pele. Entre as conseqüên­cias dos séculos de escra­vidão no Brasil desenvolveu-se um quadro de exclusão dos negros. No Brasil um branco recebe mensalmente, em média, o dobro do negro.”

Justamente pelo fato de que essa libertação foi antes a do senhor do que a do escravo, é que os negros brasileiros se recusam a comemorar esta data. Como sabemos, e anualmente concelebramos, a data festejada pelos negros é a do Dia da Consciência Negra, aos 20 de novembro, relembrando o martírio de Zumbi dos Palmares, assassinado no ano de 1695. Mas esta é uma outra história.

Continua no blog Texto e Textura.

Católico gosta de sexo, evangélico gosta de dinheiro

É incrível a racionalização utilizada para a justificativa dos crimes (e pecados) praticados pelas cúpulas eclesiásticas (católicas e protestantes) ao redor do globo.

Enquanto na mídia brasileira a famosa ganância dos evangélicos tem sido noticiada por vinte anos initerruptos, os crimes sexuais cometidos por padres e prelados que antes irrompiam ora aqui, ora ali, parecem ter atingido níveis endêmicos.

Eis uma interessante reflexão de um ex-pastor protestante sobre o nível de distorção doutrinária praticada pelas igrejas neopentecostais.

Pragmatismo em detrimento da Verdade

Minha mulher estava lendo uma revista evangélica que me é enviada e o fazia em estado de perplexidade ante o artigo de uma pessoa considerada séria, e que dizia que apesar de o Neo-Pentecostalismo ser a expressão mais completa da total ausência do Evangelho, todavia, dizia ela, tem-se de admitir que tais movimentos têm promovido, com suas teologias de sucesso e prosperidades, um espírito de ascensão social, o qual, é inegavelmente positivo, segundo ela; para depois concluir que quem se opõe a tais coisas, sejam pessoa criticas, negativas e sem Graça e Misericórdia.

Então Adriana me leu o texto da revista…

Ao concluir disse mais ou menos o seguinte [com palavras e modos dela, que não são fáceis para mim o reproduzir com exatidão]:

“Mas esta pessoa aqui não é séria?… Como ela pode estar tão vendida assim?… O que ela está fazendo é um desserviço ao Evangelho… Ela está jogando pra platéia… Está corrompendo a consciência dos frágeis… Ou não entendeu o Evangelho ou está em engano…”

Achei patético também… Deu-me pena…; mas depois muita compaixão.

O que a pessoa dizia era que se o fator sócio-econômico mostrar indicadores de ascensão social, então, mesmo que seja algo feito em nome de Jesus, mas que seja a própria antítese do Evangelho, pelo fenômeno do estimulo e resultado de sucesso no mercado […]; sim, por tais realizações o anti-evangelho estaria justificado […]; enquanto os que acusam tais coisas de serem os piores inimigos da Cruz de Cristo justamente por falarem em nome de Jesus aquilo de Jesus nada tem, são vistos como os negativos e sem Graça de Deus na vida.

O que a pessoa de fato dizia, simplificando, é que o critério mundano de ascensão sócio-econômico, tem supremacia em importância sobre o Evangelho; e, com isto, afirma também que o eixo de seu amor mudou da eternidade para o mundo, para o mercado, para Babilônia, em sutil abandono do amor pela Nova Jerusalém; ou seja: deixou de dizer seja feita a Tua vontade assim na Terra como no céu; e passou a dizer: Que o padrão da Nova Zelândia e do 1º mundo nos alcancem a qualquer preço, ainda que seja pela via de um estelionato para com Jesus e o Evangelho.

Ou seja: aquilo que é importante diante dos homens e que Jesus disse que é abominação diante de Deus, para ela passou a ser o critério superior para determinar se algo é positivo ou negativo, sem entender que a inversão de tal valor corrompe o ser, arranca toda esperança da glória de Deus do coração, e, literalmente […] enterra a pessoa no pó da terra; e, sem que ela note, tal hiper-valorização dos fenômenos terrenos, acabam por expulsar os últimos resíduos de esperança do coração…

Um dia a pessoa acorda e já não é…

E mais ainda sobre o artigo da revista cristã:…tudo o que a pessoa dizia era em nome do Cristianismo, e nunca em nome de Jesus; sim, nunca em nome do Evangelho; e por uma razão: lá no fundo ela sabe que é impossível.

A gente pode nascer filho de Deus, e, de repente, sem sentir, virar neto do 13º Apóstolo, o Pai do Cristianismo, o Vovô Imperador Constantino. Esse é o poder corruptor da Religião […]; e que eu conheço muito bem; com certeza bem mais do que ela; e há muito mais tempo e em intensidade e profundidade que ela não sonha sequer avaliar…

Com muito desejo de que a verdade não gere amargura, mas quebrantamento sincero […] — desejo a tal pessoa e a todo aquele que advogue a mesma causa irreconciliável com Jesus e com o Evangelho, que a Palavra da Vida prevaleça sobre a Vida sem Palavra, mas apenas com moralismos, de um lado, e, de outro, com um desejo imoral de ver positividade onde Jesus só veria miséria, é que me despeço com amor Nele,

Caio Fabio (extraído do Pavablog, um interessante site de reflexão evangélica)

Por outro lado, a ação contumaz da Igreja Católica em abafar, omitir, esconder, buscar acordos extra-judiciais, calar, transferir pedófilos e outras, não seria o suficiente para caracterizá-la como uma quadrilha? Um grupo constituído para a prática contumaz de atividades criminosas? Pelo menos é o que quer Richard Dawkins, o célebre ateu militante, que entrou na justiça britânica pedindo a extradição de Joseph Ratzinger (aka Bento XVI) para ser processado pela justiça britânica por impedir e acobertar os crimes cometidos pelos membros da igreja.

Esta reflexão é séria e incisiva, ainda que não desrespeitosa à Igreja:

De má fé

JOHN CORNWELL

Em uma tarde de verão no final da década de 1990, minha mulher e eu estávamos à beira de uma piscina nos montes Albano, ao sul de Roma. Observávamos um grupo de meninos de 10 a 13 anos que brincavam na água. Faziam parte de um coral britânico em turnê e haviam cantado em uma missa na basílica de São Pedro, no Vaticano.
Divertindo-se com eles, estava um seminarista, Joe Jordan, que os acompanhou, sem ser convidado, de Roma. Após observar seu comportamento ruidoso, que envolvia fazer cócegas e outras brincadeiras de mão, minha mulher, que lecionou em escolas de Londres por 14 anos, disse: “Aquele rapaz tem um problema: eu não o deixaria perto de uma criança sem supervisão”.
No ano seguinte, Jordan foi ordenado padre e indicado para uma paróquia no País de Gales, no Reino Unido. Em 2000, foi condenado no Tribunal da Coroa, em Cardiff (capital do País de Gales), a oito anos de prisão por abuso sexual de menores em Doncaster e Barry, perto de Cardiff.
Quando perguntei ao reitor do seminário de Jordan por que minha mulher tinha levado apenas alguns minutos para identificar o que ele e seus colegas não conseguiram reconhecer em um período de cinco anos, ele disse: “Ora, Joe era um homem devoto. Não havia qualquer indício de problema”.
O problema oculto de Jordan não era apenas dele e dos meninos de quem abusou, mas um problema de recrutamento, triagem e formação de padres católicos em todo o mundo. Hoje é um problema do papa. O escândalo dos padres católicos pedófilos pode se tornar a maior catástrofe a afligir a igreja de Roma desde a Reforma [no século 16].
A visita de Bento 16 ao Reino Unido em setembro o levará a Holyrood, onde será recebido pela rainha Elizabeth 2ª, cujo ancestral Henrique 8º fundou o protestantismo anglicano. Em uma missa ao ar livre no aeroporto de Coventry, ele irá abençoar as poucas relíquias de um inglês notável -o cardeal John Henry Newman [1801-90], líder espiritual da era vitoriana. Bento 16 deverá beatificar o mais célebre inglês convertido ao catolicismo.
É improvável que o papa busque nos extensos escritos do cardeal respostas para as questões urgentes sobre o sacerdócio católico disfuncional. Mas talvez devesse fazer isso.

O legado de Newman
Em 1845, aos 44 anos, Newman deixou o ministério anglicano por Roma. Sua conversão abalou o país. Foi acusado de mentiroso, um apóstata que havia traído a família, a religião e a nação para adotar a “prostituta da Babilônia”.
Somente quando ele se explicou, em sua “Apologia pro Vita Sua” (Em Defesa da Própria Vida), conseguiu afastar as alegações sobre sua honestidade. A reputação de Newman como um grande literato e teólogo continuou crescendo após sua morte. Porém seu maior legado para o sacerdócio católico hoje foi seu exemplo de vida celibatária enquanto desfrutava um companheirismo permanente e afetuoso.
Sua amizade íntima com o padre Ambrose St. John, com quem foi enterrado, muitas vezes foi interpretada como um relacionamento homossexual. Seja qual for o caso, a importância dessa intimidade foi sua maturidade -o apoio mútuo de amigos unidos em uma intensa vida pastoral e literária.
Quando o papa Bento 16 ainda era um jovem professor, conhecido como padre Joseph Ratzinger, ele, como muitos jovens teólogos do pós-guerra na Alemanha, escolheu Newman como seu herói intelectual.
Inspirado pelos textos de Newman, o padre Ratzinger foi um defensor entusiástico e explicador das iniciativas reformistas do Concílio Vaticano 2º. O papa João 23, que iniciou o Vaticano 2º, o comparou com abrir as janelas de um quarto abafado. Tudo, assim, ecoava a ideia de igreja de Newman.
“Aqui embaixo, viver é mudar”, escreveu Newman, “e ser perfeito é ter mudado bastante”. Newman insistiu, também, em que a consciência individual de uma pessoa é mais crucial que a autoridade da igreja. Os textos teológicos do jovem Ratzinger ecoam a influência de Newman.
Então algo traumático e nunca totalmente explicado aconteceu com o professor Ratzinger. Coincidiu com o período de rebeliões em 1968, quando um bando de estudantes blasfemos invadiu a Universidade de Tübingen, onde Ratzinger ensinava. Ele sentiu que havia vislumbrado o abismo de uma nova idade das trevas.

Sempre a mesma
Retirando-se para o ambiente tranquilo da Universidade de Regensburg, preparou-se para se dedicar não tanto à mudança quanto ao conservadorismo. Se a igreja desejasse sobreviver ao surto de relativismo, socialismo, anarquia e secularismo agressivo, precisava ser clara e definida; deveria ficar “semper eadem”, sempre a mesma.
O professor Ratzinger foi nomeado arcebispo de Munique e Freising em 1977 e, depois, cardeal. Continuou reverenciando Newman e apoiando os decretos do Concílio Vaticano 2º. Mas agora insistia em que Newman e o Vaticano 2º foram muito mal compreendidos pelos católicos liberais.
Quando João Paulo 2º indicou Ratzinger para chefe do departamento que vigia a ortodoxia teológica (a Congregação para a Doutrina da Fé), foi confiando em que conteria a proliferação de dissidentes, principalmente os teólogos da libertação da América do Sul.
Assim, quando Bento 16 sucedeu João Paulo 2º, em 2005, os católicos tradicionalistas estavam confiantes em que ele conteria os “progressistas” de uma vez por todas.
Nos últimos cinco anos, ele trouxe de volta a missa em latim, reduziu as anulações de casamentos e restringiu o ecumenismo e o diálogo entre as religiões; a igreja tornou-se cada vez mais centralizada.
Enquanto isso, revelações de abuso infantil clerical em grande escala e ocultações episcopais, que começaram a surgir durante o pontificado de João Paulo 2º [1978-2005], continuaram proliferando.
Nos anos 1990, João Paulo 2º e o cardeal Ratzinger tendiam a desprezar os relatos como maledicência da mídia. Simplesmente não podiam acreditar que os padres pudessem ser abusadores de qualquer coisa, a não ser em escala muito pequena e excepcional.
Bento 16 foi obrigado a modificar essa opinião, mas continua pensando no abuso como um lapso espiritual, mais que um problema psicológico, social e criminal. O abuso dos padres pedófilos é, em sua visão, um grande pecado, mais do que um grande crime. Sua estratégia para lidar com a crise se baseia nessa convicção. Em 20 de março, Bento 16 deu um veredicto severo sobre o escândalo dos abusos na Irlanda, em uma “carta pastoral” à igreja daquele país.
A causa da crise, disse, fora o secularismo e as tentações que ele representa para a santidade dos padres.

Padres perplexos
A maioria inocente dos padres da Irlanda se indignou por ter sido manchada pelo mesmo pecado que os estupradores de crianças. Estão furiosos com a desculpa implícita de Bento 16 ao Vaticano e ao papado.
Enquanto isso, suas iniciativas para combater a praga dos padres pedófilos se concentram nos remédios sobrenaturais, mais que nos humanos. Ele decretou que a hóstia eucarística (que os católicos acreditam ser o “corpo, sangue, alma e divindade de Jesus Cristo”) deveria ser exposta para adoração em centenas de igrejas em toda a Irlanda.
Prometeu enviar equipes de clérigos ao país para investigar seus seminários, monastérios, paróquias e dioceses. Essas tropas de choque espirituais vão pregar o Evangelho novamente para os envergonhados clérigos e freiras irlandeses.
Na mesma carta, o papa culpa as interpretações clericais errôneas das reformas do Vaticano 2º. Em outras palavras, os católicos liberais são, em última instância, responsáveis por seduzir o clero irlandês, afastando-o da piedade sacerdotal. Ficou evidente, desde a década de 1970, que o sacerdócio católico está em crise. Cem mil padres deixaram o ministério no período de duas décadas, e a hemorragia continua.
Contra esse pano de fundo, o escândalo dos padres pedófilos é um de uma série de sintomas de uma crise que inclui critérios de recrutamento inadequados, triagem inexperiente e leiga, formação questionável nos seminários e o perigo de definir o sacerdócio em termos de exaltação espiritual.
O sacerdócio celibatário católico atrai muitos homens que têm vocações autênticas. Pelo mesmo motivo, como confere a cada ordenado um respeito imerecido e até adulação (uma posição superior à dos anjos), também pode atrair homens com problemas sexuais, sociais e psicológicos não resolvidos.

Formação inadequada
O processo de triagem raramente envolve leigos, incluindo mulheres, que tenham perícia adequada. A rotina regulada dos seminários, com suas preocupações devocionais e uma vida comunitária agradável, totalmente supervisionada, é uma preparação irreal para a vida sem supervisão na solidão gregária experimentada por muitos padres paroquianos, que vivem sós, sem o apoio de um relacionamento significativo.
A formação de relacionamentos maduros e duradouros, conhecidos como “amizades particulares”, é ativamente desencorajada no seminário. Se Bento 16 tivesse citado Newman como um exemplo de sacerdócio, poderia ter proposto uma preparação e um estilo de sacerdócio mais adequados às pressões dos pastores católicos no mundo moderno.
Quando o corpo de Newman foi exumado em preparação para sua beatificação, a mídia ficou surpresa pela notícia de que ele tinha sido enterrado com Ambrose St. John.
Essa circunstância foi usada para alegar que eles tinham um “relacionamento gay”. Na verdade, Newman, quaisquer que fossem suas tendências sexuais, certamente viveu uma vida de castidade. Mas acreditava que um padre deveria desfrutar de uma companhia permanente, com todo o afeto mútuo e o apoio que um tal relacionamento implica.
Na visão de Newman, a formação para o sacerdócio deveria ser feita no trabalho em paróquias, mais que em uma casa monástica fechada. Uma vida pastoral de sacerdote, segundo Newman, deveria ser de uma domesticidade normal; ele deveria comer bem, tirar folgas frequentes, desfrutar seu vinho e alimentar muitas amizades, com homens e mulheres.
Seu legado dificilmente combina com o conservadorismo do papa Bento 16. É totalmente possível, na verdade, que sua beatificação indique uma tentativa de sanificar seu legado, mais que adotar os aspectos críticos a Roma.
Podemos esperar, com a beatificação, versões convenientes das visões críticas e liberalizantes de Newman sobre a Igreja Católica. É improvável que elas ofereçam consolo aos abusados, mas poderão contribuir para o longo processo de cura que está pela frente, que deve começar pela admissão da responsabilidade compartilhada pelo sacerdócio disfuncional da igreja, chegando até o topo.

JOHN CORNWELL é professor no Centro de Estudos Avançados em Teologia e Religião do Jesus College, da Universidade de Cambridge. É autor de “O Papa de Hitler” (Imago).
A íntegra deste texto saiu na “New Statesman”.
Tradução de° Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Publicado em abril no caderno Mais! da Folha de São Paulo

A situação tá tão feia, mas tão feia que até quando um bispo se manifesta buscando esclarecer uma distinção psicológica e legal e explicar uma declaração dita por outro bispo, isso é interpretado como uma defesa da pedofilia:

Tocar em adolescente é diferente de tocar em criança, diz bispo emérito de Blumenau, D.Angélico Sândalo Bernardino.

Bem, eu conheci o bispo Angélico Bernardino a uns dez anos atrás, em um culto ecumênico que aconteceu na paróquia Santa Cruz de Itaberaba, onde eu, minha esposa, meu cunhado e uma amiga éramos os únicos metodistas na ocasião, isso antes da radical guinada reacionária tanto da ICAR quanto da Igreja Metodista. Certamente d.Angélico não estava defendendo a leniência ou o “direito” a tocar em adolescentes, sabendo que ele sempre foi um bispo fortemente engajado em lutas sociais, opção preferencial pelos pobres e outras lutas que a cúpula reacionária, conservadora e elitista das igrejas (católica e evangélicas) sempre se omitem. Mas a maré anda tão brava que até essa acusação sobrou para o velho bispo, punido pelo Vaticano por ter sido defensor dos pobres e da Teologia da Libertação.

Realmente, ultimamente tem sido difícil ser cristão dentro das igrejas cristãs.

Jornalismo, digo, panfletismo semanal

Jornalismo imparcial é isso aí.

Pois bem… advinhem qual dos governadores, o de São Paulo ou o do Rio que é da coligação PSDB/PFL-DEM e qual apóia o presidente Lula? Fácil, né?

Mas não é só.

Na semana passada o jornal Folha de São Paulo publicou a seguinte manchete: Dilma – “Eu não fugi da luta e não deixei o Brasil”. Induzindo a crerem que a ministra criticara os exilados políticos, dentre eles diversos membros do PT e, coincidentemente, o candidato José Serra. Mas a declaração da ministra não havia sido aquela. Havia sido o seguinte: “Eu nunca fugi da luta ou me submeti. E, sobretudo, nunca abandonei o barco”.

Há uma grande diferença, não? Sim, há. E a FSP ‘reconheceu’ seu ‘erro’ e noticiou na seção “erramos” na página 3, alguns dias depois:

BRASIL (11.ABR, PÁG. A7) Em parte dos exemplares, foi publicado erroneamente que a pré-candidata do PT à Presidência disse, em evento em São Bernardo no último sábado: “Eu não fugi da luta e não deixei o Brasil”. A declaração correta, publicada na maior parte dos exemplares, é: “Eu nunca fugi da luta ou me submeti. E, sobretudo, nunca abandonei o barco”.

Claro, como se uma notinha de rodapé na página 3 tivesse o mesmo destaque e repercussão que a manchete original “errada” teve. Aliás, tanta repercussão que o Globo e o Estadão repetiram o “erro” da Folha e publicaram a matéria equivocadamente. Será que os jornalistas, editores, redatores e revisores dos três maiores jornais do país cometeriam um erro tão primário, tão infantil, assim, sem mais nem menos? Quem acreditou nessa história põe o dedo aqui, que já vai fechar.

O estrago já estava feito, tanto que esses jornais entrevistaram um monte de pessoas tendo como mote uma declaração que não existiu. Pois é. Conveniente pedido de desculpas.

Mas a coisa não para por aí.

Nesta mesma semana o site do PT foi atacado por hackers (que já haviam atacado antes e tirado a página do ar)  que colocaram a foto do Serra e assinaram como PSDB Hackers.

Óbvio que o ex-governador não pediu o ataque virtual. Mas então, quem atacou? Oras, sabiamente diz a Revista Veja, quem mais o faria senão o próprio PT?

Chega a ser emocionante, não, a isenção da nossa mídia? E tem gente que ainda argumenta, dizendo que só pode ser verdade, já que saiu na Veja.

(créditos dos tópicos a Guilherme Basílio, parceiro de caminhada virtual e ao blog Na Prática a Teoria é Outra)

P.S. Olha só que ternurinha a capa dessa semana.

Não chega a ser pungente o amor no coração que esse homem carrega? Ah… se não fosse a Veja pra nos mostrar o quão demoníaca é essa Dilma…

Mas será que alguém já pensou em denunciar a Veja pro TSE por propaganda eleitoral antecipada? A redação da Veja deve ter feito estágio com os responsáveis pela edição do debate Lula x Collor de 1989.

P.P.S A blitzkrieg da mídia em favor do Serra não pode parar! Veja a última da Globo. Inocente coincidência, claro.

Limbo

O Carlos Ruas, cartunista, tem um blog genial. Brinca com um dos temas mais espinhosos que é a religião. E o faz de uma maneira tão deliciosamente engraçada, anti-dogmática mas ao mesmo tempo leve e respeitosa que conquista leitores tanto entre os mais renitentes ateus quanto entre os mais crentes dos evangélicos e católicos.

E um de seus mais geniais cartuns é esse reproduzido aqui, sobre o decreto do Vaticano que acabou com o conceito do “limbo”, lugar para onde iam as almas das crianças não-batizadas.

Fala aí se o cara não é o máximo.

Muchacha

De Los Tres Amigos (em voga principalmente após a morte de Glauco), o que sempre foi mais bem dotado tecnicamente era o Laerte. Não era tão escrachado quanto Glauco. Nem tão incisivo quanto Angeli. Mas construia personagens profundos, desenhava com perfeição e calcava muitas vezes sua obra em sutilezas pouco exploradas por seus colegas de geração.

E assim como seus colegas, Laerte envelheceu. Cansou de escrever sobre personagens e entrou numa fase mais “filosófica”.

Nessa nova fase, escreveu uma “graphic novel” em folhetim internético. A Muchacha. É uma história passada nos anos 50, época de TV feita ao vivo, de cantoras do rádio e marcathismo (mesmo no Brasil getulista). Deve sair em livro, em versão revista, expandida, corrigida e adaptada. Mas, que tal curtir a obra direto da fonte?

Cliquem na imagem e acompanhem. Mas, lembrem-se. É um blog. Que, como um mangá, deve ser lido de trás pra frente 🙂