No início da copa eu havia conjecturado que a influência de Mourinho e sua hiper-retranca, vitoriosa na última Liga dos Campeões com a Internazionale, haveria de fazer escola. Ou ao menos que seria a influência maior nesta Copa do Mundo. Não estava sozinho. O comentarista da ESPN e editor do site Trivela, Leonardo Bertozzi, havia (de forma muito mais suscinta, como convém a um comentário de 140 caracteres) dito o mesmo.
Pois a previsão caiu por terra, ainda que parcialmente.
É verdade que na fase de grupos um grande número de equipes usaram a forte retranca, a defesa compactada em duas linhas de quatro, às vezes cinco, com um ou dois homens para puxar o contra-golpe e isso deu resultado muitas vezes. A Suíça, em sua surpreendente vitória contra a Espanha, é prova disso. Mas não só. Outras equipes se basearam na força de sua defesa contra ataques mais poderosos e se deram bem.
Mas não foi um novo paradigma tático o que desmontou as retrancas. Foi o talento. E a necessidade. Em um torneio de pontos, as retrancas podem fazer com que equipes fracas roubem pontos das fortes. E num torneio de partidas eliminatórias essas equipes fracas podem até conseguir empurrar a decisão das partidas para as prorrogações e disputas penais. Mas isso certamente não é o suficiente para garantir um título.
Nas quartas-de-finais houve uma grande celebração ao futebol ofensivo, com equipes que se baseavam na força defensiva tendo caído nas fases anteriores, como Coréia do Sul, Japão, Eslováquia e outras. E mesmo equipes que se caracterizaram pela pegada de marcação, como o Uruguai, Gana e Paraguai, mostraram possuir talento para se lançarem ao ataque.
Gana, que se defendeu muito bem contra Sérvia, Alemanha e Austrália, sem ter demonstrado competência ofensiva, partiu pra cima dos EUA, um time também muito técnico e que soube anular a Inglaterra anteriormente, e venceu merecidamente. Merecia ter vencido o Uruguai por ter imposto maior volume de jogo, mas não dá pra não se emocionar com a partida épica que os celestes fizeram. Mesmo o Paraguai, o mais defensivo dos times nas quartas, conseguiu incomodar a Espanha.
Mas as semi-finais representaram a vitória do talento. Espanha, Holanda, Uruguai e Alemanha. Cada time conta com vários atacantes de talento, técnica e habilidade. Enquanto a Espanha tem o artilheiro da Copa e os melhores meias do mundo (Villa, Iniesta, Xavi), a Alemanha surpreendeu com seus jovens velocíssimos e mortais (Müller, Özil) e seus veteranos decisivos (Klose, Podolski). Uruguai jogou com a habilidade de Forlán, com a força de Cavani, com a volúpia de Abreu, e não pode contar com o artilheiro Suarez. E a Holanda tem em Kuyt, Van Persie, Robben e seu maestro Sneijder a esperança (e realidade) de gols.
A final reúne uma pragmática mas ainda muito habilidosa Holanda contra o time da posse de bola, passes, dribles e inventividade que é a Espanha. A um ano eu disse que o que a Espanha representa hoje, o Brasil representou em 1982. O futebol que encanta o mundo. Não encantou na Copa, mas até pegar a Alemanha, não havia enfrentado uma única equipe que tivesse a ousadia de atacá-los. Todos os adversários anteriores se fecharam na defesa e se contentaram em perder de pouco. A Alemanha pagou o preço da ousadia.
Quem ganhar será merecido. Como seria merecida a chegada da Alemanha à final (que time que enfia quatro na Inglaterra, na Argentina, ganha de Gana e massacra a Austrália não mereceria a final?). Mas, não importando quem leve a taça, quem ganhou mesmo é o futebol.