A globalização econômica transformou definitivamente o futebol. De representante de uma cidade ou comunidade, um clube de futebol passou a ser uma empresa que briga no mercado global por mais consumidores (torcedores), num processo de internacionalização que tem nas TVs, amistosos e torneios de pré-temporada e na venda de produtos suas pontas mais visíveis.
Todavia, a briga nos mercados internacionais motiva os clubes a se digladiarem não apenas por consumidores, mas por matéria-prima, os jogadores também.
E os órgãos reguladores do futebol como a FIFA e a UEFA, baseados ainda nos antigos conceitos de nacionalidade, lutam para tentar manter o futebol dentro desses mesmos conceitos antigos. Tentam fazer com que um time inglês não apenas represente o torcedor inglês (coisa que não mais acontece, como vimos aqui) mas seja representado por ingleses em suas equipes. Uma briga perdida de antemão, pois a legislação européia proíbe a discriminação de cidadãos europeus no mercado de trabalho (portanto, leis como a proposta 6 + 5 estão fadadas ao fracasso, a não ser por um acordo de cavalheiros entre os clubes – muito pouco cavalherescos, diga-se) e os clubes aprenderam rapidamente a burlar essas leis com naturalizações.
Outro aspecto que tem chamado a atenção recentemente são as transações que envolvem atletas cada vez mais jovens, tema que voltou à berlinda após a recente condenação do Chelsea em um caso de aliciamento de menor envolvendo o jovem Gael Kakuta junto ao Lens da França. Logo em seguida o Manchester United foi denunciado pela Fiorentina e pelo Le Havre, visto que a legislação da França e da Itália proíbem menores de 16 anos de assinarem contratos profissionais (o que facilita o aliciamento) e o Manchester City sofrer investigação semelhante.
Portanto, não foi com pouca empolgação e, porque não dizer, espanto que a notícia de que a Premier League limitaria o número de atletas não-revelados nas categorias de base do país para a próxima edição da liga. O mecanismo é semelhante ao que a UEFA utiliza na UCL: cada time poderá inscrever apenas 25 atletas. Destes, 8 devem ser “revelados no país”, ou seja, devem ter frequentado por pelo menos três anos as categorias de base dos clubes ingleses ou galeses. A princípio a medida parecia bastante acertada, pois incentivaria os clubes a investirem em suas categorias de base ao invés de investirem no mercado de transferências e limitaria o número de atletas nos elencos. O Liverpool, por exemplo, conta com 55 atletas inscritos em sua equipe principal (sem contar a reserva e as categorias de base), sendo a maioria absoluta formada por estrangeiros.
Ótimo para o futebol do mundo inteiro, não, já que os jogadores ingleses não mais perderiam oportunidades para estrangeiros de custo mais baixo, e os clubes outros países não mais correriam o risco de perderem seus jogadores de graça.
Mas a prática pode se mostrar outra.
O jornalista Oliver Kay, do The Times, explicou o porque em seu artigo na versão online do jornal. Afinal de contas, como nacionalidade não está em questão, os ingleses partiriam para cima dos jovens de outros países com ainda mais intensidade, em idades ainda mais jovens (e menos protegidas por legislações trabalhistas). Segundo o critério adotado pela Premier League, Macheda e Fábregas são tão ingleses quanto Walcott e Rooney. Continuaria sendo mais barato “roubar” atletas das categorias de base de outros países a formar seus próprios atletas, o que tornaria a vida dos atletas ingleses ainda mais competitiva, pois mais e mais adolescentes e crianças tomar-lhe-iam os lugares nas categorias de base dos clubes.
Nesta semana o jornalista Tim Vickery publicou em seu blog os danos que o futebol sul americano poderia sofrer. Os clubes ingleses começarão a levar os atletas do continente muito antes deles fazerem suas estréias profissionais, aumentando o vácuo de talentos no continente. Os clubes sul americanos mais bem sucedidos costumam desenvolver os jovens talentos e, depois de certo nome, vendem-nos e com isso sustentam-se financeiramente. O Boca Junior e o São Paulo são os melhores exemplos dessa filosofia. Com o assédio diretamente às categorias de base, os clubes seriam muito menos remunerados pelos jogadores perdidos, se remunerados forem. Afinal, casos como o dos irmãos Rafael e Fabio da Silva, saídos de graça da categoria de base do Fluminense para o Manchester United seriam cada vez mais comuns.
Neste mesmo sentido o excelente site português Futebol Finance publicou uma análise onde eles também expressam suas preocupações sobre a ineficácia da medida para aumentar o número de jogadores ingleses e estimular as categorias de base.
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